Cora Coralina - 1889/1985
Voz viva da cidade de Goiás, personagem e símbolo da tradição da vida interiorana, Cora Coralina nasceu em 20 de agosto de 1889, na casa que pertencia à sua família há cerca de um século e que se tornaria o museu que hoje reconta sua história. Filha do Desembargador Francisco de Paula Lins dos Guimarães Peixoto e Jacita Luiza do Couto Brandão, Cora, ou Ana Lins dos Guimarães Peixoto (seu nome de batismo), cursou apenas as primeiras letras com mestra Silvina e já aos 14 anos escreveu seus primeiros contos e poemas. Tragédia na Roça foi seu primeiro conto publicado.
Em 1934 casou-se com o advogado Cantídio Tolentino Bretas e foi morar em Jabuticabal, interior de São Paulo, onde nasceram e foram criados seus seis filhos. Só voltou a viver em Goiás em 1956, mais de vinte anos depois de ficar viúva e já produzindo sua obra definitiva. O reencontro de Cora com a cidade e as histórias de sua formação alavancou seu espírito criativo.
Tradições e festas religiosas, a comida típica da região, as famílias e seus ‘causos’, tudo motivava a escritora fazer uma ponte entre o passado e presente da cidade, numa tentativa de registrar sua história e entender as mudanças. Nas suas próprias palavras: “rever, escrever e assinar os autos do Passado antes que o Tempo passe tudo ao raso”. Com a mesma rica simplicidade de seus personagens, Cora fazia doces cristalizados para vender.
Seu primeiro livro, Poemas dos Becos de Goiás e outras histórias mais , foi publicado em 1965, e levou Cora, aos 75 anos, finalmente a ser reconhecida como a grande porta-voz de uma realidade interiorana já afetada pelo avanço da modernidade. O poeta Carlos Drummond de Andrade, surpreendido com a obra de Cora, escreveu-lhe em 1979: “(…) Admiro e amo você como a alguém que vive em estado de graça com a poesia. Seu livro é um encanto, seu lirismo tem a força e a delicadezadas coisas naturais (…)”.
Cora Coralina faleceu em Goiânia a 10 de abril de 1985. Logo após sua morte, seus amigos e parentes uniram-se para criar a Casa de Coralina, que mantém um museu com objetos da escritora.
Todas as Vidas
Vive dentro de mim
uma cabocla velha de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho,
olhando para o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço…Ogum.
Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo…
Vive dentro de mima lavadeira do Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso d’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa, pedra de anil.
Sua coroa verde de São-caetano.
Vive dentro de mima mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.
Vive dentro de mima mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,desabusada,sem preconceitos,
de casca-grossa, de chinelinha, e filharada.
Vive dentro de mima mulher roceira.
Enxerto de terra,
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos,
Seus vinte netos.
Vive dentro de mima mulher da vida.
Minha irmãzinha…tão desprezada, tão murmurada…
Fingindo ser alegre seu triste fado.
Todas as vidas dentro de mim:
Na minha vida -a vida meradas obscuras!
Fonte:vilaboadegoias
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