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Local: São Paulo, SP, Brazil

artista plastica/escultora.poeta.facilitadora em vivências.arte& terapias integrativas.

15 de fevereiro de 2009

APENAS UM AMIGO...

obra de Marcio Camargo

por Taís Luso de Carvalho

Mais uma madrugada e mais outro amanhecer, sempre o mesmo ritual: a noite despedia-se enquanto surgia a tímida luminosidade do amanhecer.

Ela permanecia no sótão da casa entre telas e pincéis. Ali em seu atelier, Mariana dava vazão às suas emoções, colocando em cada pincelada um pouco de seu espírito, por vezes melancólico e solitário. Os suaves e disciplinados acordes uniam-se em melodias que lhe tocavam o coração: as Ave-Marias de Gounod, de Shubert, de Donati...

Não demorou muito para que ela largasse as telas e desse descanso aos pincéis. Já cansada, debruçou sua cabeça sobre a mesa e passou a refletir sobre sua vida: seus encantos e desencantos, seus afetos, seus amigos, sua família.

Simpatizante da filosofia budista questionava-se, também, sobre a reencarnação e outros tantos caminhos. Mas até aquele momento não chegara a um consenso. Ao mesmo tempo em que estava sintonizada com a estética, estava em dissonância com seus valores e com sua espiritualidade. E descobriu-se só.

A música inundava o atelier amenizando sua solidão. As tintas e os pincéis, antes deixados de lado, agora testemunhavam os abafados soluços de Mariana. E o tempo foi cumprindo o seu percurso até que Mariana levantou a cabeça como se estivesse emergindo de profundezas. E fixou, ao acaso, seu olhar num quadro empoeirado dependurado defronte a sua mesa de trabalho, ao lado de objetos insignificantes.

Com desvelo e acentuada curiosidade levantou-se e removeu a poeira que encobria o quadro. Revelou-se, então, com maior nitidez, um rosto de expressão suave, olhos cheios de ternura e os cabelos castanhos caindo sobre o belo rosto, numa suave harmonia.

Mariana voltou à mesa e dali ficou a observar aquele rosto singular: tinha um olhar que não recriminava e lábios que não acusavam. Era o retrato de Cristo. Talvez Mariana tivesse descoberto, em algum recanto de sua alma, sentimentos de generosidade e complacência. E pintara algo comprometido com esses sentimentos e com suas carências.

Já menos amargurada, levantou-se e substituiu a música: colocou “Chanson d’enfance” e enterneceu-se como se buscasse um afago; queria sentir apenas a alegria do momento, e ter uma paz que não oscilasse. E assim ficou por bom tempo, recostada no sofá, deixando-se conduzir pelos suaves acordes.

Mais tarde voltou à mesa e fixou seus olhos na sua pintura:
- E agora meu Cristo? Estamos aqui sozinhos, frente a frente... Mas nada ouso Te pedir; procuro apenas um amigo que me escute, que retorne comigo à infância, e que compartilhe de meus projetos; ainda que pequenos projetos. E que na solidão de minhas madrugadas esteja presente...

Sinuoso, o sol invadiu o atelier deixando uma sensação de conforto. Mariana olhou para o seu Cristo, beijou-Lhe o rosto e caminhou em direção à porta:
Até amanhã...
-
Crônica publicada na Revista Dartis nº 24


Tais Luso de Carvalho
é gaúcha
de Porto Alegre - RS
artista plástica e crônista

é colunista da Revista Dartis
e colabora nessa coluna
"Essa Crônica Vida"
(
a crônica nossa de cada dia)
para o ArtWork Brasil - Notícias


Contato:
taisluso@hotmail.com

Porto das Crônicas

http://taisluso.blogspot.com