Nieztsche - e seu amor incondicional à vida
por Francisco Nunes Fonte:facasper.com.br
Em uma breve apresentação a respeito do tema, Mauro desafiou a platéia. “Vou começar fazendo uma provocação: se vocês tivessem que começar a vida novamente e viver tudo exatamente da mesma forma, vocês diriam sim?”. Se falar de Nietzsche é um convite ao pensamento e à polêmica, Mauro estrutura seu discurso buscando quebrar os principais estereótipos atribuídos à obra e à vida do filósofo. Para ele, Nietzsche rompe todas as linearidades, criando um pensamento único e difícil – um desnudamento do espírito.
Friedrich Nietzsche, filósofo alemão nascido em 1844, questionou grande parte dos valores fundamentais da civilização ocidental, como as religiões – em especial o cristianismo –, a cultura e a ciência. Obras como Assim Falou Zaratustra, O Anticristo, Além do Bem e do Mal e a autobiografia Ecce Homo lidam com temáticas tão diversas quanto o próprio Nietzsche que, por acreditar que não existem verdades absolutas, se reinventava continuamente e questionava com propriedade o que antes defendia – em uma postura autocrítica que ele julgava importante no Übermensch, o verdadeiro homem livre.
Para Mauro, Nietzsche nunca foi pessimista nem niilista – sua filosofia era a de enfrentar a complexidade da vida como ela é, mas sempre problematizando todas as situações e questionando pressupostos e conceitos considerados sagrados. “Por pouca coisa, nós negamos a vida. E Nietzsche, mesmo enfrentando inúmeros problemas de saúde, nunca desistiu. Ele não impunha condições à existência, amando a vida incondicionalmente”. Isso, entretanto, não configura uma postura conformista, já que, para Mauro, “quem procura paz e tranqüilidade e encontra Nietzsche, escolheu o filósofo errado. Ele é o filósofo da luta, do enfrentamento, que busca uma transfiguração dos valores”.
De acordo com Mauro, Nieztsche separa os sofredores em duas categorias: aqueles que sofrem da falta de vontade de viver e aqueles que sofrem da abundância. “Parece estranho falar que abundância é sofrimento, mas ele se refere a toda uma concepção na qual nós nos tornamos uma pluralidade”. Negando o pensamento metafísico e a separação do mundo em dualidades – bem e mal, por exemplo –, Nietzsche é um “perspectivista, ou seja, olha para o mundo com um sem número de perspectivas, o que não significa superficialidade”. Para Mauro, é essa ousadia em olhar o mundo de maneira múltipla e sem preconceitos que faz com que Nietzsche seja um filósofo ousado, que extravasa em sua paixão pela vida.
Apesar de não aceitar conceitos prontos, Nietzsche foi influenciado por outros pensadores. Uma das bases teóricas do filósofo alemão foi Heráclito, “o filósofo do devir, do movimento eterno. Se há alguma eternidade, é a eternidade do instante” – e Nietzsche compartilha desse apreço pela intensidade em viver o momento presente, o que não significa um olhar acrítico a respeito da história. Para Mauro, “Nietzsche fala que se você precisa buscar algo fora da vida para justificá-la, então você não a quer verdadeiramente”.
Ao questionar e criticar pilares do pensamento ocidental, como o cristianismo, Nietzsche mostra que essa problematização vem de um conhecimento extenso a respeito do tema, e não de uma arbitrariedade. "O livro Assim Falou Zaratustra foi descrito por um amigo de Nieztsche como o quinto evangelho. Nieztsche utiliza a mesma linguagem dos escritos bíblicos para propor outro homem que não o modelo cristão. No lugar de João Batista, temos Zaratustra, um arauto que anuncia o além-homem [Übermensch]". A respeito do tema, Mauro também citou a idéia do “Deus morto”, comumente atribuída a Nietzsche devido ao personagem chamado de “O Louco” no livro Gaia Ciência, que, ao meio dia, procura Deus pelas ruas com uma lanterna. Em desespero, diz às pessoas: “Deus está morto, e nós o matamos”. “Isso é uma metáfora. Quem constatou esse declínio de Deus foi o positivismo de Augusto Comte, para quem o que controla a ciência é a razão – nesse contexto, Deus realmente está morto”. Além disso, a idéia de um Deus distante e metafísico não interessa a Nietzsche: “para ele, Deus precisa pulsar, dançar, estar vivo. Os Deuses do Olimpo eram seres pulsantes, mas o deus engessado de Abraão não”.
A idéia de Nietzsche a respeito do eterno retorno, que propõe um mundo no qual tudo que foi vivido se repetirá infinitamente, foi reinventada e reinterpretada por vários filósofos e escritores – como o tcheco Milan Kundera, que, em sua obra A Insustentável Leveza do Ser, considera o eterno retorno “uma perspectiva em que as coisas não parecem ser como nós as conhecemos: elas aparecem para nós sem a circunstância atenuante de sua fugacidade”. Para Kundera, “se cada segundo de nossa vida deve se repetir um número infinito de vezes, estamos pregados na eternidade como Cristo na cruz”. Nietzsche considerava o eterno retorno um demônio, assustador porque traz à vida cotidiana uma complexidade que requer enfrentamento. “Citando Gilles Deleuze, o eterno retorna retoma o instante, que é plural”.
O homem capaz de ter uma existência plena em si mesma, de viver em um êxtase de descobertas e em constante luta pela vida é o que anunciava Zaratustra – e, para Mauro, “Nietzsche sabia que a ‘civilização’ ocidental, cuja história é banhada em sangue, não é capaz de conter esse homem”. Existirá esse “além do homem”?
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