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29 de agosto de 2008

Fernando Pessoa e seus heterónimos


As múltiplas faces de um mesmo rosto

Sobre Fernando Pessoa e seus heterónimos


"Criei em mim várias personalidades. Crio personalidades constantemente. Cada sonho meu é imediatamente, logo ao aparecer sonhado, encarnado numa outra pessoa, que passa a sonhá-lo, e eu não."

"Só uma grande intuição pode ser bússola nos descampados da alma; só com um sentido que usa da inteligência, mas se não assemelha a ela, embora nisto com ela se funda, se pode distinguir estas figuras de sonho na sua realidade de uma a outra."Alberto Caeiro (1889 - 1915).

Alberto Caeiro é considerado o mestre de todos os heterônimos de Fernando Pessoa. Nasceu em Lisboa, mas viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão, nem educação quase alguma, só instrução primária; morreram-lhe cedo o pai e a mãe, e deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos. Vivia com uma tia velha, tia avó. Morreu tuberculoso.

Poemas de Alberto Caeiro

O meu olhar é nítido como um girasol...

Pensar em Deus é desobedecer a Deus

Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo...

Num meio-dia de fim de primavera tive um sonho...

Sou um guardador de rebanhos...

Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois...

Se eu morrer novo, sem poder publicar livro nenhum...

Assim como falham as palavras quando querem exprimir...

Pouco me importa...

O Tejo é mais belo

Ricardo Reis (1887 - 1935?), Ricardo Reis nasceu no Porto. Educado em colégio de jesuítas, é médico e vive no Brasil desde 1919, pois expatriou-se espontaneamente por ser monárquico. É latinista por educação alheia, e um semi-helenista por educação própria.

Odes de Ricardo Reis

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio...

Ouvi contar que outrora, quando a Pérsia tinha...

Segue o teu destino, rega as tuas plantas...

Tão cedo passa tudo quanto passa...

Para ser grande, sê inteiro...

Álvaro de Campos (1890 - 1935?)

Nasceu em Tavira, teve uma educação vulgar de Liceu; depois foi mandado para a Escócia estudar engenharia, primeiro mecânica e depois naval. Numas férias fez a viagem ao Oriente de onde resultou o Opiário.

Poemas de Álvaro de Campos

Adiamento: Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...

Passagem das horas: Trago dentro do meu coração...

Tabacaria: Não sou nada, nunca serei nada...

Apontamento: A minha alma partiu-se como um vaso vazio...

Aniversário: No tempó em que festejavam os dias dos meuas anos...

Magnificat: Quando é que passará esta noite interna...

Todas Todas as cartas de amor são ridículas...

O Binomio de Newton é tão belo como a Vênus de Milo...

Poema em linha reta: Nunca conheci quem tivesse levado porrada...

Encostei-me atrás na cadeira de convés e fechei os olhos...

Amo Pessoa, particularmente Álvaro de Campos (Algarve, Sul de Portugal), "o engenheiro navaval. Escreve «razoavelmente mas com lapsos como dizer “eu próprio” em vez de “eu mesmo”».«É alto, magro, e um pouco tendente a curvar-se (...) entre o branco e o moreno, cabelo porém liso e normalmente apartado ao lado, monóculo (...). Numas férias fez a viagem ao Oriente de onde resultou o "Opiário". Ensinou-lhe latim um tio beirão que era padre».Em sintonia está com Bernardo Soares, o autor da «Mensagem», desapartado de Caeiro – «pura e inesperada inspiração» – e de Reis, exemplificação «de uma deliberação abstracta, que subitamente concretiza numa ode».Mas, «como escrevo em nome dos três?», pergunta Pessoa, a si mesmo, Pessoa ortónimo. A resposta do Poeta é clara em todo o seu aparato enigmático, próprio da heteronomia: «Campos, quando sinto um súbito impulso para escrever e não sei o quê. (O meu semi-heterónimo, Bernardo Soares, que aliás em muitas coisa se parece com Álvaro de Campos, aparece sempre que estou cansado ou sonolento, de sorte que tenha pouco suspensas as qualidades de raciocínio e de inibição; aquela prosa é um constante devaneio (...). Sou eu menos o raciocínio e a afectividade», escreve Fernando Pessoa numa Carta dirigida a Adolfo Casais Monteiro, sobre a origem dos seus heterónimos, publicada na revista «Presença», Nº 49, Junho, 1937.

Fonte:http://www.isabelrosete.blogspot.com/