A Psiquiatria da Nova Consciência

Por Paulo Urban
Partindo de experiências com o LSD, o psiquiatra tcheco Stanislav Grof desenvolveu a prática da respiração holotrópica, que leva o homem a vivenciar estados alterados de consciência.
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Estudos recentes feitos pela neurociência revelam que cerca de 50 bilhões de neurônios operam em nosso cérebro, isso sem contar os 500 bilhões de células nervosas da glia, a sustentar esse tecido.
Os neurônios comunicam-se entre si por meio dos neurotransmissores, substâncias químicas específicas descarregadas a partir de estímulos bioelétricos nas sinapses, o espaço virtual existente entre as terminações nervosas de uma célula e o corpo da seguinte. A quantidade de ligações que um neurônio do córtex cerebral pode estabelecer com células nervosas circunjacentes é variável. Numa progressão exponencial de ligações, estima-se que cada neurônio possa num átimo impressionar centenas de milhares ou milhões de outros, envolvendo sinapses que, em seu conjunto, bem ultrapassam a casa dos trilhões. Tal complexidade faz da Internet, ainda que seus 600 milhões de usuários se conectassem ao mesmo tempo, mera maquete do processo neuronal!
Rogério Borges |
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Alucinógenos: capacidade de abrir a consciência para percepções incomuns. |
Dessas contundentes premissas visualizemos um salto conclusivo: poderá a crescente complexidade da rede cibernética chegar a emitir algum pensamento próprio, ainda que rudimentar, fruto das mutações inerentes aos processos evolutivos? E das relações entre pensamentos simples não nasceriam juízos demarcando o surgimento de uma nova consciência planetária, a sobrepor-se à matriz arcaica que a Terra toda, como rocha, guarda inconscientemente de si mesma? Fosse isso possível, não estaria aí o portal que nos falta para uma comunicação efetiva com inteligências extraterrestres, que só não ocorreu até agora porque nosso planeta ainda não expandiu suficientemente seus potenciais latentes? Arthur Clarke, autor do clássico 2001, Uma Odisséia no Espaço, bem explorou o tema do computador inteligente, Hal, que decidiu lutar contra os astronautas que pretendiam desligá-lo. Também previu, ao dar seguimento à sua ficção, nosso contato para 2010. Não seria Clarke um escritor visionário tanto quanto o foi Júlio Verne (1828-1905), que antecipou em Da Terra à Lua (1865) detalhes impressionantes que se realizaram precisamente em julho de 1969, quando a nave Apolo 11 conquistou de fato a Lua?
Paremos de especular; deixo ao leitor o desdobrar desses pensamentos que navegam pela ficção científica. Mas confesso-lhes uma coisa: posso descrever assim, como se lhes narrasse um sonho agradável, meus devaneios de “lógica quântica” que me ocorreram durante meros segundos de reflexão, em meio à prática da respiração holotrópica, processo propiciador de estados alterados de consciência, que tenho rotineiramente aplicado à minha vida.
Prensa Três |
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Hippies das décadas de 60 e 70: adoção do LSD como símbolo do movimento da contracultura. |
Mas o que vem a ser respiração holotrópica? Quem cunhou o termo, em 1992, foi o psiquiatra tcheco Stanislav Grof, há mais de 40 anos pesquisador dos estados incomuns da consciência. Holos em grego significa “totalidade”; tropein traduz-se por “dirigir-se a”, “orientar-se para”. Respiração holotrópica é aquela cuja prática amplia a consciência, levando-a a uma experiência de transcendência e inteireza.
Tudo começou em 1956, quando a Faculdade de Medicina de Praga, da qual Grof era médico residente, recebeu do laboratório Sandoz uma substância recentemente sintetizada em Basel (Suíça) pelo químico Albert Hofmann, que propunha aplicar o fármaco no tratamento das psicoses. Grof foi um dos voluntários para experimentar a nova droga, cujas propriedades psicoativas revelaram-se notáveis. Era o LSD-25, ou ácido lisérgico. O jovem médico refere-se à sua primeira sessão psicodélica como algo indescritível, cuja culminância o levou à consciência cósmica.
Por toda a década seguinte, as experiências psicodélicas de Grof no Instituto de Pesquisa Psiquiátrica de Praga repercutiram amplamente. Em 1967, mudou-se para Baltimore (EUA), a convite do Centro de Pesquisas Psiquiátricas de Maryland, onde prosseguiu seu trabalho. Em 1973 foi nomeado professor no Instituto Esalen, em Big Sur, Califórnia, onde morou até 1987. Atualmente, Grof acumula quase cinco décadas dedicadas ao estudo dos estados alternados de consciência.
Leandro Pimentel |
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Gilberto Gil: experiências litúrgicas de expansão da consciência com a ajuda do ácido lisérgico. |
Grof coordenou mais de quatro mil sessões de LSD em dezenas de milhares de pessoas, pacientes ou voluntários, os quais lhe forneceram extenso material, que o levou a descobertas revolucionárias sobre o psiquismo. Ele concluiu que o LSD e demais alucinógenos, como a psilocibina, a mescalina, a triptamina e semelhantes, funcionam como amplificadores e catalisadores das atividades psíquicas, capazes que são de abrir a consciência para percepções incomuns e precipitar experiências espirituais extraordinárias, fazendo emergir conteúdos inconscientes que jamais seriam explorados de outra forma.
Além disso, o espírito investigador de Grof o levou ao contato com xamãs de toda a América e a trocar informações com antropólogos e representantes de antigas doutrinas, como a ioga, o budismo, o tantrismo, o zen e a ordem beneditina, entre outras. O médico interessou-se ainda pela parapsicologia, focalizando-se nas experiências do quase-morte. Na mecânica quântica, encontrou base científica para várias concepções cosmogônicas religiosas, incluindo a possibilidade de curas espirituais, além de crença fundamental de que algo, de alguma forma, sobrevive à morte física.
Em fins dos anos 60 e início dos 70, aplicou a terapia psicodélica em pacientes cancerosos terminais. Em Psicoterapia Pelo LSD, 1980 (não traduzido), descreveu detalhadamente as pesquisas que o conduziram à certeza de que os alucinógenos, longe de seu propagado caráter tóxico, podem ser administrados de modo diligente, não indiscriminadamente a todo e qualquer caso, mas sob a supervisão de terapeutas preparados, visando a uma profunda reformulação do universo psicológico daqueles que os usam, de modo que muitos aspectos da personalidade que requeiram tratamento possam ser especialmente trabalhados.
contato: paulourban@ig.com.br
Fonte:terra.com.br
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